Mãe:
Porque o dia da mãe está aí - e
mãe há só uma - pensei escrever um texto bonito, sentido, cheio de belas
palavras, que provocasse uma ou outra lágrima e um sorriso a quem o lesse. Até
inventariei algumas expressões que, não sendo originais, funcionam sempre, se colocadas
de uma forma mais original que a costumeira “foste tu que me deste a vida” e
blá, blá...
Ora por mais voltas que dê à
cabeça, a palavra “mãe” remete-me uma e outra vez para o José Mário Branco e
para aquele momento do FMI em que ele chora, grita, arrepia e faz doer por
dentro. Pensei que não seria razoável da minha parte (e provavelmente iria dar
buraco) tentar escrever um texto sobre arco-íris, ponéis cor-de-rosa e outras
coisas lindas, tendo como fundo sonoro: “oh mãe, oh mãe...”
A verdade mãe, é que sendo este o
teu dia, e o das outras mães (as boas) - se não fosse este seria outro, porque
isto dos dias especiais é, como o Natal, quando uma pessoa quiser – devia
escrever sobre isso, porque quando pensamos em mães, pensamos em coisas boas e
quentes como o teu colo ou bolos a sair do forno. Mas estes não têm sido tempos
quentes. Não estou quentinha nem concentrada em coisas boas. Não posso.
Ainda estamos perto do 25 de
Abril e do 1º de Maio e olho à volta e já não percebo ou não quero sequer
perceber o que se está a passar. As coisas estão difíceis, tu sabes. Bom, nunca
foram fáceis, mas isso era para mim, que vivo com a profissão que escolhi. Mas
agora, mãe, parece que é geral, não é? Às dificuldades óbvias da sobrevivência
de cada um, juntam-se estes acontecimentos monstruosos, chocantes que
assistimos na televisão (quando ela mostra, porque eu sei mãe, que há coisas
que ela não mostra) ou na internet. Há miúdos, cada vez mais, a desistirem da
escola porque a família não pode suportar os custos; há miúdos, ainda mais
miúdos, que comem uma vez por dia na escola, porque em casa se conseguem ver na
perfeição as paredes da dispensa e do frigorífico. Há jornalistas que, ao fazerem
o seu trabalho, lhes é explicado a cacetete, o que é uma manifestação a sério.
E viste aquelas senhoras no Chiado que quiseram pintar um cartaz cor-de-rosa,
mas a polícia não deixou? Porque será que as empregadas domésticas não podem
pintar cartazes? E no Bairro da Fontinha, como é que se explica aquilo? Tu
sabes? É que eu não sei, mas diz o bom senso que a esta altura do campeonato,
que é a minha vida, já não seria preciso pedir-te explicações sobre as coisas
do mundo. Não acredites, que eu também não.
E agora até ao 1º de Maio querem
tirar o sentido? Vendo bem até tem lógica, a lei dos três oitos é completamente
esquecida num código de trabalho esquisito e suspeito... o objetivo é este,
mãe: aos poucos, querem-nos fazer acreditar que o maior dos absurdos faz todo o
sentido... e parece que estão a conseguir.
Olha, a verdade é que todos os
dias há notícias de milhões gastos em bancos na falência, ordenados de milhões,
mais milhões para reformas e não há ninguém que páre isto, quando há miúdos
pequenos que só têm uma refeição quente por dia; quando há velhos que se matam porque
se fartaram da miséria; quando todos os dias há famílias a perder a casa; quando,
cereja podre sobre este bolo de lama que nos dão a comer, até para ficarmos
doentes temos de pensar se há dinheiro para esse luxo...
Mãe, achas que se olharmos bem
uns para os outros, lá bem no fundo dos olhos, como dizia outro poeta meu
amigo, ganhamos mais força? Talvez assim a indignação abandone as fronteiras de
cada um e origine uma linha condutora que a todos una.
Será já claro para ti que o meu
estado espírito não é o indicado para dias festivos e felizes como o dia da
mãe, mas se não te dissesse nada pesar-me-ia a consciência.
Veio-me agora à cabeça um poema
do Manuel Alegre, “Rosas Vermelhas”. Também ele fala da mãe. Não é um poema bem
disposto ou feliz, eu sei. É triste, desolado, dolorido, mas há naquelas linhas
qualquer coisa quente, um pouco de conforto numas pétalas de rosa, como o que
se encontra no colo da mãe.
olá. Fazes muito bem em dizer aquilo que sentes, e que boía dentro do teu pensamento. não há nada como desabafar o que vai na alma. abreijos
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