2010/06/13

O Meu Cemitério *

Se há valor que respeito e admiro é a lealdade. A capacidade humana de se ser leal a um princípio, a alguém, a uma ideia.
É dificil mantermo-nos leais. Os obstáculos e tentações são muita e é fácil tropeçar e cair.
Penso que sou leal, esforço-me. Já falhei e hei-de falhar mais vezes. E tenho quase a certeza que em 98% dos casos, falhei sem me dar conta. Só mais tarde me apercebi de que tinha cometido um crime.
É um crime, porque alguma coisa cá dentro morre quando alguém me é desleal. Um pouco da minha ingenuidade morre, da minha confiança, da minha espontaneidade.
É um crime contra a minha humanidade. Contra a capacidade (que não quero perder, mas vou perdendo) de acreditar nos outros, de ter fé.
Não sei estar sem confiar. Preciso de confiar em quem me rodeia. Não sei e não quero saber viver desconfiada. É uma angústia, é uma falta de chão à qual não me quero habituar. Não me vou.
Porque gosto da minha humanidade. Porque quero mantê-la. Porque quero apenas dar-me a quem me merece por inteiro, incluindo a minha confiança.
Depois da fase em que me sinto magoada, ferida, com um buraco no peito, faço o funeral. Funeral do Desleal. É como a recuperação dos alcoolicos que vemos nos filmes: um dia de cada vez. Dia a dia vou aprendendo a viver com a falta, até que já não há falta. O morto ou a morta são enterrados, sem coroa de flores. Sem tabuleta. Deixam de existir. Esquecem-se.
E não há coisa mais triste que ser esquecido.
Não posso imaginar maior tristeza que a de se ser morto sem ter morrido.
* ideia do "Cemitério de Amigos" de Jorge Amado. Um texto
lindíssimo, que me foi dado a conhecer por uma professora que
muito estimo, de quem, nestas horas mais doridas me lembro.
Que fazia questão de nos fazer ler textos lindos, que só mais tarde
nos fariam sentido. Um beijo para a C. que não lê o blogue.


Aqui fica o texto de Jorge Amado. É uma pérola.

Tenho horror a hospitais, os frios corredores, as salas de espera, ante-salas da morte, mais ainda a cemitérios onde as flores perdem o viço, não há flor bonita em campo santo. Possuo, no entanto, um cemitério meu, pessoal, eu o construí e inaugurei há alguns anos quando a vida me amadureceu o sentimento. Nele enterro aqueles que matei, ou seja, aqueles que para mim deixaram de existir, morreram: os que um dia tiveram a minha estima e perderam.

Quando um tipo vai além de todas as medidas e de fato me ofende, já com ele não me aborreço, não fico enojado ou furioso, não brigo, não corto relações, não lhe nego o cumprimento. Enterro-o na vala comum de meu cemitério – nele não existe jazigo de família, túmulos individuais, os mortos jazem em cova rasa, na promiscuidade da salafrarice, do mau caráter. Para mim o fulano morreu, foi enterrado, faça o que faça já não pode me magoar.

Raros enterros – ainda bem! – de um pérfido, de um perjuro, de um desleal, de alguém que faltou à amizade, traiu o amor, foi por demais interesseiro, falso, hipócrita, arrogante – a impostura e a presunção me ofendem fácil. No pequeno e feio cemitério, sem flores, sem lágrimas, sem um pingo de saudade, apodrecem uns tantos sujeitos, umas poucas mulheres, uns e outras varri da memória, retirei da vida.

Encontro na rua um desses fantasmas, paro a conversar, escuto, correspondo às frases, às saudações, aos elogios, aceito o abraço, o beijo fraterno de Judas. Sigo adiante, o tipo pensa que mais uma vez me enganou, mal sabe ele que está morto e enterrado.


acrescento uns minutos depois - Obviamente que hoje, morreu alguém.

2 comentários:

  1. Belos, um e outro. Felizes os que conseguem recordar o nome de um professor que lhes ensinou alguma coisa que valha a pena, como essa preciosidade de que falas.

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  2. Todos falhamos. E, existem momentos que, só mesmo assim como dizes, podemos seguir em frente. Obrigada pela partilha, gostei de conhecer o texto e de ler as tuas palavras.

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