meio da tarde

um sábado em casa. limpar. esfregar. computar. computar muito.
o tempo está cinzento e isso dá vontade de sofá, filmes, mantinhas.
hoje vesti pela primeira vez um dos meus casacos de andar por casa no inverno. tenho uma colecção: velhos, com borbotos, macios, já com a forma do meu corpo, domados.
também uso, hoje pela primeira vez, os meus chinelos de inverno: quentes, confortáveis, com a forma do meu pé, domados.
porque volto sempre às coisas que conheço, às que estão moldadas, domadas. o conforto de qualquer coisa que me é familiar. coisas que não causam estranheza ou desconforto. o mesmo café. o mesmo supermercado. a mesma padaria. a mesma pasta de dentes.
e são estes hábitos que fazem com que as coisas novas tenham um sabor especial: entrar pela primeira vez no restaurante que vai passar a ser o das sextas feiras. sentir o cheiro do café onde planeamos passar manhãs de jornal e café e sol. a excitação de tirar as etiquetas de umas calças às quais prometemos que, não tarda, terão a forma das nossas coxas e ancas (a parte mais complicada de domar...)
como as pessoas é assim. não se aplica o verbo domar... soa pessimamente. e nem é isso.
aquelas pessoas velhas ou velhas pessoas que, como os casacos de malha confortáveis, encaixam, onde nos encaixamos na perfeição. com quem não há esforço para nada. com quem podemos estar calados. em silêncio. silêncio perfeito. sem incómodos. com quem podemos estar de trombas sem ter de explicar nada. com quem podemos estar tristes sem ter de contar o motivo. a quem podemos ligar às duas da manhã porque sim, porque há uma urgência tola... uma cusquice, uma lembrança...
apetece-me bolo de laranja. com chá.