Despedida

Aproveito este pedaço de papel para te dizer que precisamos de nos encontrar. Preciso ver-te de novo.
Preciso de sentir que me olhas novamente, que te importo. Para saber se me importas.
Já passámos muito. Já não somos novatos nestas andanças. Neste monta e desmonta, nesta confusão de gritos silenciosos que se calam nos nossos peitos, e às vezes, alguns mais resistentes, conseguem chegar à garganta, mas vamos sempre a tempo de fechar a boca.
Esses gritos, os meus, já se calaram há muito, adormeceram na paz do meu coração magoado, que sorri, para os outros, que te vê em todas as esquinas da cidade onde nunca estiveste.
Aproveito para me despedir.
Era por isso que te queria ver.
Era por isso que precisava de sentir-te mais uma vez ali à mão de semear. Perceber se sei viver sem ti ou se só estou a sobreviver, à espera do teu regresso.
Aproveito para te dizer que me estou a sair muito bem nesta tarefa de viver sozinha.
Hoje bebi vinho. Sozinha. Até consegui abrir a garrafa sem grande resistência. E bebi enquanto comia quadrados de pão com patê de cogumelos.
Lanches nossos, que comíamos, gulosos. Já no tempo em que a gulodice estava apenas destinada a algo que se come ou se bebe. Em que já nos tínhamos lambuzado demais com o corpo um do outro, até que eles se fartaram. Saciámos a fome um do outro com pressa demais. Não durou toda a vida. Não fomos felizes para sempre como nos tinham prometido.
Aproveito para te dizer que já não me fazes muita falta. Os armários já estão à mão, comprei um banco. Comprei uma pasta para tapar os furos que faço a mais na parede para pendurar um quadro. Já não compro frascos de conservas, só congelados e latas.
Há sempre alternativas, como vês.
Converso comigo, escrevo mais, eu contigo esquecia-me de escrever. Desinspiravas-me, será possível? Seres o meu muso da desinspiração?
Então muso, aproveito para te dizer, que mal posso esperar para te ver novamente. Nessa altura vou aproveitar para te sorrir, perceber se já me passaste, se ainda cá estás ou se o espaço onde fincaste pés durante tanto tempo está agora vazio, à espera de novo ocupante.

este texto tem para mais de um ano...

como outros, perdeu já a validade. por isso aqui fica