Nasci no que se diz ser a altura da liberdade. Nasci em 1980, 6 anos depois da revolução. Não faço ideia do que seja não poder fazer o que apetece. Não imagino a minha adolescência sem os ajuntamentos de 15-20 parvos (e parvas) borbulhentos (as) no Jardim da Avenida. Não imagino o que seja alguém dizer-me que não posso dizer que está tudo mal, que não posso ler determinado livro, que não posso viajar sem a autorização do meu marido ou na falta deste, do pai. Não quero imaginar o que será não poder ter ideias diferentes das vigentes e não poder falar delas. Não quero saber o que é não poder ouvir o Zeca quando me apetece
("Vieste de menino de oiro pela mão/ acordar a madrugada/ e fez mais, às vezes, uma só canção / do que muita panfletada // Grandes janelas soubeste abrir/ por onde o ar correu sem te pedir (...) //
Nunca mais te hás-de calar, ó Zeca, para nós,/ canta sempre sem parar, que é seiva e flor a tua voz/
Vestiste a capa de caloiro coimbrão/ para ultrapassar o fado/ e em cada natal teu fruto temporão/ nunca foi ultrapassado// Na distracção jogas à defesa/ com o humor disfarças a tristeza/ cantas a esperança e o amor que o povo te ensinou de cor//
Nunca mais te hás-de calar, ó Zeca, para nós/ canta sempre sem parar que é seiva e flor a tua voz/
Nem tudo o que reluz é oiro, pois então/ e bem gostaria o facho/ de te ver calado e manso pela mão com medalhas no penacho (...)
Zeca (Carta a José Afonso) José Mário Branco
O que é certo é que quando se fala no 25 de Abril eu sinto cá dentro do peito uma bola grande... acho que se chama orgulho. Sinto uma pena de não o ter vivido. De não ter estado ali. A ver. A viver. Tenho a certeza que o ar tinha um gosto diferente nesse dia. Aposto que a água tinha um sabor vivo, que o vento era só uma brisa, que as nuvens não tinham peso. Que os corpos eram leves e os olhos não se podiam fechar. Tenho pena. Muita pena de não ter estado lá. A gritar, a saltar a sentir-me viva. Há momentos de comunhão que me emocionam, que sempre me emocionaram. Sou uma tonta é verdade, mas ver a Fernanda Ribeiro no pódio a receber a medalha em 1996 fez-me vir a lágrima ao olho. Emocionei-me mais com a emoção dos outros durante o Euro do que com a selecção. Passear por Lisboa no dia do Luto por Timor emocionou-me (perdoem-me os exemplos desportivos, mas penso que se deixarmos o 25 de Abril de fora e Timor, nunca os portugueses se uniram tanto).
Também gostava de ter estado em Woodstock (no original de 69) e no Maio de 68, pelas mesmas razões.
Custa-me muito ver que hoje, aqui vem a minha velhice toda ao de cimo, não há miúdo que saiba o que aconteceu nesse dia. Que não ouviram falar no Zeca, nem no Ary e que não fazem ideia do que seja a Grândola. Há dois anos fiz essa experiência com alunos do 4º ano e as respostas foram tão variadas quanto isto: "foi a queda da monarquia", "implantação da república", "morreu alguém importante" e isto depois de terem feito desenhos com cravos em espingardas e tanques e militares com o punho no ar. Ok, há miúdos que sabem, mas são excepções.
E não é preciso ir aos miúdos, há muito boa gente da minha geração que não sabe, e pior ainda, é que não quer saber.
Eu sinto-me orgulhosa da nossa revolução com flores (só a ideia é tão romântica, tão hippie), da nossa revolução sem mortes (e há quem diga que foi por isso que não resultou).
Eu sei, eu sei... não foi muito bem sucedida. Não era bem assim que esperávamos estar trinta e quatro anos depois. Sei que a esperança era muita, as intenções eram boas e neste momento a frustração, a desilusão e a mágoa têm o tamanho (ou mais ainda) das expectativas de então.
O grave é o que essa decepção trouxe: uma conformação com o que está, um baixar os braços, um "ora, deixa, isto daqui não passa!"
Sei que continuamos a precisar de gritar "a paz, o pão, a habitação, saúde, educação!" e claro que é triste, é óbvio que desalenta e esmorece, estarmos aqui 34 anos depois.
E começo a pensar que o 25 de Abril é o festejo da frustração de todo um país....
De qualquer forma acho que é mais produtivo pensarmos nos ganhos, naquilo que temos como garantido hoje, quando o mau já foi esquecido, na liberdade que eu tenho para escrever disparates, na liberdade que todos temos para escrever e ler os disparates mais disparatados e comentar esses disparates com mais disparates. E dizer coisas sérias. E poder dizer o que são disparates e o que são coisas sérias, fazer a distinção entre os dois; a minha distinção e não a de outros. É isto que temde estar claro quando a ideia de que "um salazar é que dava conta disto" nos passa pela cabeça. E é tão fácil isto acontecer. E é preciso não esquecer. É preciso saber o que aconteceu no dia 25 de Abril 1974, e é tão ou mais importante saber o que acontecia no dia 24 e nos milhares de dias antes desse.
Não sei de quem é a frase, nem a sei de cor, tenho apenas ideia do conteúdo: esquecer o passado é meio caminho andado para o repetir...
E mais do que nunca, sinto que nunca estivemos tão perto....
"(...) A palavra rompeu
Cresceu como a baleia
No silêncio da noite à lua cheia
Vi mudar estações soprar a ventania
Brilhar de novo o sol sobre a baía
Fui um bom engenheiro um bom castor
Amei a minha amada com amor
De nada me arrependo só a vida
Me ensinou a cantar esta cantiga
(...)
Quando a fera encarcerada
Que dentro de nós suplanta
Quebra a gaiola sozinha
Voa voa endiabrada
Uma andorinha"
Alegria da Criação
José Afonso
Ora aqui está uma excelente visão de uma "miuda" crescida sobre este dia. Sou quase como tu, embora muito mais velho (...), também não sei como é que era a vida em Portugal antes do 25 de Abril. Na Alemanha sempre houve liberdade, nunca conheci outra vida. Acerca dos alunos das escolas, é natural que não saibam o que era o 25 de Abril porque quase tudo que é lá ensinado não é para ficar na memória, estuda-se apenas para os testes...
ResponderEliminarEstamos patriotas hoje xD Eu também acho este dia de certo modo "reconfortante", porque foi o dia em que as pessoas deste país de juntaram e fizeram alguma coisa por si...
ResponderEliminarAinda assim, sou daquelas pessoas que sabem demasiado sobre o dia, e sei que foi acima de tudo dos militares para os militares... Uma espécie de salvamento deles próprios...
Há muito que se foi a minha visão de "foi por todos nós"... Enfim.. Sinceramente não sei qual é a tua geração, porque não faço mesmo ideia que idade tens (nem a mínima), mas eu estou a caminho dos 20 (de hoje a uma semana deixo de ser adolescente... não sei se chore ou se ria) e dou conta do mesmo que tu: ninguém sabe nem ninguém quer saber.
O povo português é assim, desde que seja feriado nacional e dê para tirar o boguinhas da garagem e dar umas voltinhas com a família, quem sabe fazer um piquenique ou, como mais recentemente vem a ser moda, ir passear para o shopping, está tudo bem.. (ainda assim não me canso de dizer que o bom português gosta é de sangue, chapa batida e futebol).
"Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição" Salvador Allende
ResponderEliminarPara os que não sabem foi presidente no Chile assassinado pelos carrascos a mando do fascista Pinoche ao serviço do imperialismo americano.
Para os jovens que podem dar umas voltas em Liberdade tal deve-se a esses militares, mas também aqueles que lutaram e lutam por um PORTUGAL DE ABRIL .
Abreijo e BOM ABRIL
Olá! Ainda és novinha....hihihih....e eu a pensar que estavas na casa dos 40..hehehe! Aproveita a vida! Um bom feriado p ti e bom fim de semana! bjs
ResponderEliminarNuno!!!! txiiii.... era mesmo o que eu precisava para me sentir melhor! 40 e tal?! txxiiii tenho mesmo de fazer alterações de fundo na minha vida!
ResponderEliminarsousa: é verdade sim senhor. militares e civis fizeram o 25 de Abril, e é preciso não esquece-los. não conhecia essa frase do Allende. Muito boa, se bem que agora, em 2008 parece que o incoerente é ser revolucionário e achar que se pode mudar alguma coisa.
anaa: acho que não concordo com essa teoria dos militares para os militares. Sim os militares começaram, mas teriam tido o mesmo sucesso se o pessoal não saísse para a rua e apoiasse o movimento? Teria tido o mesmo impacto se o povo tivesse ficado em casa? No início do post digo que nasci em 80... é fazer as contas..;)
zig: parece então que somos uns sortudos, ãh?!
é natural, como n tens a idade no perfil, eu pus-me a imaginar coisas....lololololo! beijos e boa recuperação!
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