2012/01/12

Correio do Alentejo 11 - Pontos de Fuga

O ano novo instala-se devagar e até agora, a mudança mais notória na minha vida, foi a subida do iva na conta da luz. Estando nós no Inverno (com dias pequenos e muito frio) esta subida faz-se sentir (oh se faz!) de forma bem violenta. Mas dou por mim a tentar chutar para canto estas coisas menos boas (olha o eufemismo!) porque não quero iniciar o ano a queixar-me e a maldizer o mundo em geral e o governo em particular. Assim concentro-me noutras coisas, mais bonitas. Por (e para) isso, olho pela janela.

Da janela da sala da minha casa nova, que é num primeiro andar, tenho uma vista magnífica para o telhado da casa em frente. Assim, tal como estou - sentada à mesa a olhar pelos vidros de uma das portas (que na verdade são três) que dão para a varanda que fica exactamente por cima da rua que é de momento a minha morada, vejo um telhado. Um telhado feito de telhas velhas (o que não é mau, porque podia ser daqueles terraços de cimento e nesse caso, lá se ia o romantismo todo de olhar pela janela e ver um telhado de telha).

Os telhados são românticos, as telhas são românticas e a chaminé é banal. Sim, que o telhado em frente à minha janela tem uma chaminé perfeitamente vulgar e sem graça nenhuma. Aposto que é desta chaminé que vem o cheiro a lenha com que a minha roupa regressa do estendal, lembrando os tempos de aldeia (que nunca vivi). E se a lareira foi já uma necessidade transformada em luxo, palpita-me que lentamente regressará ao estatuto de necessária.

Em cima do telhado da casa que vejo da minha janela, também vive uma antena de televisão que, por ser uma antena de televisão e ainda por cima torta, não tem nada de romântico ou bonito. Lembro-me da excitação das tardes em que o meu pai ia para o telhado virar a antena de um lado para o outro e nós gritávamos da janela: “está melhor”, e ele respondia: “o quê?!” e nós: “já não se vê nada”, “como estava! como estava!” e homem regressava cansado, mas com a satisfação da missão cumprida.

Acho os telhados românticos porque é onde podemos ver as estrelas, porque é de onde se vê melhor a lua, porque é onde se pode usufruir de um bom solinho de inverno, porque é por onde andam os gatos, que são mais livres e espertos que nós (excepto o meu, que quando foge pelo telhado, aparece em casa 24h depois aterrado e com uma infecção urinária).

Posso ficar horas a olhar para o telhado da casa em frente à minha, que por ser um primeiro andar, tem uma vista privilegiada sobre os telhados aqui da rua. Telhados de casas térreas, naturalmente, que também as há de dois andares e eu nesses casos lixo-me porque não vejo nada. Mas, dizia eu, posso ficar horas a olhar pela janela da minha sala, a observar este telhado que me tapa a vista e penso em nada. Ou tento. Porque não quero contaminar estes 12 meses novinhos em folha com queixas, porque não quero começar o ano a falar mal do mundo em geral e do governo em particular. Prefiro olhar para os telhados, que acima de tudo, são óptimos pontos de fuga.´

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